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terça-feira, dezembro 10, 2013

O estrangeirado e a década perdida (II) 

Entre 2002 e 2008 o Professor António Borges dedicou-se a uma bem-sucedida carreira profissional na alta finança europeia. Trabalhava em Londres durante a semana e passava o fim de semana na sua herdade no Alentejo.
Li recentemente a excelente biografia “The Iron Lady” de John Campbell. Na primeira página do capítulo 6 o autor fez um resumo excelente das qualidades e escolhas necessárias para se chegar ao cargo de primeiro-ministro: uma dedicação obsessiva pela carreira política, excluindo outras preocupações tais como dinheiro, família, amizade e o lazer. Não é um projecto de vida saudável, mas quem deseja chegar ao topo não tem outra opção. O Professor acreditava que podia lutar primeiro por uma vida confortável e dedicar-se mais tarde à actividade política. Não é assim que funciona.
Nesses anos a sua actividade cívica teve os seus altos e baixos. O Compromisso Portugal foi um tigre de papel que me iludiu na altura, pois não tinha ainda noção de que as ideias reformistas (dos prestigiados profissionais presentes nos encontros) eram imediatamente castradas pelos simples facto de as empresas por eles geridas dependerem directa ou indirectamente do Estado que as ditas ideias pretendiam ajudar a reformar. Só quando chegar o dia em que tivermos uma sociedade civil maioritariamente independente do Estado é que será possível fazer reformas eficazes e duradouras. Duvido que tal dia chegue.
O Professor contribuiu com os seus conhecimentos para tentar reformar as regras de gestão empresarial (“Corporate Governance”) em Portugal, mas os gestores de topo das grandes empresas portuguesas rejeitaram as propostas. Não foi possível obter um parecer externo com autoridade para explicar quem tinha razão neste confronto (que Borges perdeu). Creio que a partir desse momento Borges passou a ter um desprezo permanente em relação às práticas de muitos empresários e gestores nacionais, mas não tinha poder para os enfrentar.
No tempo da liderança de Marques Mendes, Borges mencionou que podia formar uma equipa com técnicos de alta qualidade, mas Mendes não lhe deu a devida atenção. O Professor manteve-se quase sempre muito distante do aparelho e das bases do PSD. Com essa atitude, era impossível mobilizar as pessoas para um projecto político de maior qualidade. Quando a crise financeira chegou, fiquei perplexo com um artigo do Professor no “Expresso”: nesse artigo os gestores irresponsáveis da banca eram retratados como vítimas (recordo vagamente uma frase: “... as acções que possuíam das empresas por eles geridas perderam muito valor.”).
Em 2008 juntou forças com Ferreira Leite para derrotar Sócrates, vingar-se de Pinho e evitar o descalabro das contas públicas e privadas. As gafes políticas da líder do PSD e o seu pessimismo realista fizeram as delícias dos jornalistas e em 2009 o incansável Sócrates venceu as legislativas. Pacheco Pereira descobriu o segredo dessa vitória: a ancestral manha camponesa do povo português levou-o a votar no homem optimista que prometia um futuro próspero, tecnológico e com apoios sociais crescentes e perpétuos. Sabiam que o dinheiro ia escassear, mas tinham a certeza que ainda haveria quatro anos de “folga” antes de regressar uma austeridade semelhante à de 2002-2003. Enganaram-se em tudo.
A maior parte dos homens brilhantes e bem sucedidos sente a necessidade de deixar um legado à sua comunidade. António Borges não o deixou. Teria sido interessante se ele escrevesse um livro sobre o ensino superior em Portugal, pois tinha experiência e autoridade para comparar as nossas fraquezas e forças com as das prestigiadas instituições onde estudou e trabalhou.
Foi penoso para mim assistir aos dois últimos anos de vida do Professor. Ele podia ter procurado aliados na classe média e nas pequenas e médias empresas, explicando as suas ideias e projectos com clareza. Em vez disso, preferiu assumir um papel provocatório e muito impopular. Os únicos aliados que tinha pertenciam quase todos à banca, ao Governo e a uma ou duas empresas do PSI 20.
Após a sua morte, li na imprensa alguns artigos. Via-se que nos meios ligados ao PSD quase todas as crónicas eram escritas sem grande convicção e com nenhuma amizade. Mas o que me deixou mais triste foi o artigo do embaixador da Polónia em Portugal. Na última reunião que o Professor teve com o embaixador, António Borges mencionou com grande optimismo que estávamos no caminho certo e que o país ainda tinha que ir mais longe na criação de um novo tipo de economia. Ao ler estas palavras, percebi que o Professor vivia isolado da realidade social dos portugueses de médias ou fracas qualificações. O seu optimismo, que me contagiara dez anos antes, já não me fascinava. E pela primeira vez acreditei que se este homem brilhante tivesse chegado ao poder, o resultado teria sido desastroso para quase todos os portugueses.
RM

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