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segunda-feira, outubro 06, 2014

Os Maias 

Gostei do filme de João Botelho. É muito bom saber que cada vez se fazem mais filmes bons em Portugal. Os actores foram excelentes e adorei os cenários belos e simples. De facto, não é preciso ter ao dispor as tecnologias mais modernas e caras para produzir cinema português de qualidade.

Li a obra "Os Mais" de Eça de Queirós no 11º ano. Reli o livro uns anos mais tarde e foi essa segunda leitura que realmente me encheu as medidas.
Acabo sempre dizendo a mim próprio: se Camilo tivesse o virtuosismo perfeccionista de Eça e se Eça tivesse boas estórias para contar como Camilo, Portugal podia gabar-se de ser um berço de gigantes.

Quando li a obra pela primeira vez fiquei desanimado com o desperdício de talento de Eça. O grande romancista nunca escreveu qualquer obra passada no século XVI, uma era em que Portugal conseguiu por mérito próprio ter uma projecção mundial claramente desproporcional em relação à sua pequenez geográfica, demográfica, económica e [acima de tudo] institucional.
Nesse século repleto de glórias, tragédias e infâmias, não faltariam eventos e comportamentos susceptíveis de serem arrasados pelo génio crítico de Eça, mas simultâneamente só ele saberia descrever as luzes que iluminaram as nossas horas [ilusoriamente] mais felizes, aquilo a que o Professor João Paulo de Oliveira Costa designou brilhantemente por "a vertigem dos avanços" na sua excelente biografia de D. Manuel I. Também o contacto com um continente [a Ásia] cheio de civilizações cuja sofisticação e dimensão eram esmagadoras para os recém-chegados merecia ser descrito pela pena de Eça.


Voltando ao filme: ouvi com gosto Pedro Mexia afirmar no programa "Governo Sombra" que o Portugal de hoje já não é, felizmente, o mesmo Portugal de Eça. Hoje vivemos num país muito melhor e seria ignorante e leviano afirmar o contrário.
RM

quinta-feira, outubro 02, 2014

Na morte de um herói 

Nestes dias, procurei em vão por reportagens televisivas sobre o comandante Alpoim Calvão. É como se houvesse uma censura subtil das notícias, procurando garantir que este homem politicamente incorrecto fosse esquecido o mais depressa possível.
Homens (e mulheres) como Alpoim Calvão representam um conjunto de valores e atitudes que não são apreciados pelas patrulhas ideológicas que ainda hoje dominam a opinião pública em Portugal.

De certa forma, até compreendo que o jovem guerreiro (que ele foi) não seja hoje considerado um exemplo de vida a seguir: a última vez que Portugal sofreu uma invasão militar estrangeira foi em 1810. Desde então houve muitas guerras, mas a invasão de Massena foi de facto o último momento em que se lutou e morreu em solo português defendendo a independência de Portugal.
A protecção militar que os EUA concederam à Europa ocidental nas últimas décadas criou uma sensação de segurança nos Europeus e uma certa falta de respeito pelas forças armadas, com o consequente apoio eleitoral a todos os tipos de cortes nas despesas e indústrias militares. A própria carreira militar não tem hoje o tradicional prestígio que teve durante séculos.

Mas olhemos para as fronteiras da Europa: a Leste e no Ártico, uma Rússia imperial e belicosa; a Sueste um Médio Oriente medieval (no mau sentido desta nobre palavra); a Sul, estados ameaçados, estados exíguos e estados falhados. A Oeste, uma América cada vez mais preocupada com o Oceano Pacífico e cada vez menos com a Europa.
E se um dia a Europa for invadida em larga escala? Que povo europeu está hoje preparado para essa possibilidade mais ou menos remota? Já nem falo na falta de equipamentos e indústrias; a maior fraqueza dos europeus reside nas mentalidades e ideologias dominantes, que de certa forma castraram espiritualmente povos que durante séculos enfrentaram com enorme sucesso as invasões mais bárbaras, fosse qual fosse a sua proveniência.

Tendo em conta as potenciais ameaças a que todos estamos sujeitos, Alpoim Calvão representa ainda hoje o paradigma das qualidades que deve possuir um oficial da Armada portuguesa: corajoso, inteligente, líder brilhante e inspirador de equipas que obtiveram quase sempre resultados muito eficazes e, finalmente, era um militar com uma adaptabilidade notável em relação a todo o tipo de métodos, técnicas e situações: estava igualmente confortável a reparar hélices debaixo de água como estava a pilotar um avião ou como, sob fogo inimigo, orientava os seus camaradas numa manobra ofensiva de flanqueação. Hoje em dia, o jovem Calvão estaria certamente a aprender também técnicas de cibersegurança.

Presto-lhe aqui a minha homenagem e tenho a esperança que no Futuro o seu exemplo venha a ser seguido por muitos dos nossos jovens oficiais.

RM

quarta-feira, outubro 01, 2014

A guerra errada, no país errado, na década errada 

Vede Portugal em 1960: pobre, agrário, pouco industrializado, sem produção científica de qualidade, com quase todas as instituições paralisadas por bloqueios políticos e corporativos diversos.

Nos anos seguintes o país beneficiou de um crescimento económico notável, que só seria travado pela crise petrolífera de 1973.
Nos anos anteriores a 1960 tornara-se óbvio que a era colonial tinha os dias contados: a Índia tornara-se independente, os Franceses haviam sido derrotados no Vietname, Britânicos e Franceses haviam sido humilhados na crise do Suez e faltavam apenas dois anos para a guerra da Argélia terminar de forma trágica.

A sociedade portuguesa em geral não via qualquer razão para sacrificar vidas e recursos na defesa de territórios que não proporcionavam riqueza, não eram um destino importante da emigração nacional e onde apenas uma minoria da população estaria disposta a apoiar a manutenção da presença portuguesa.
Uma fracção da elite militar do regime compreendeu que Salazar estava disposto a manter as colónias a todo o custo... desde que a guerra fosse barata. Em 1960 Portugal não tinha sequer tecnologia para produzir armas semi-automáticas ligeiras, quanto mais aviões e helicópteros. O General Botelho Moniz antecipou o potencial de humilhação para as forças armadas que a futura guerra encerrava: combates em dois continentes contra várias potências e grupos de guerrilha em simultâneo. O desastre do Estado da Índia estava à vista de todos muito antes de ter acontecido.
O General tentou depor o Ditador, mas fê-lo com tanta incompetência que o golpe fracassou. As forças armadas de Portugal estavam condenadas a lutar quase uma década e meia naquela que foi a nossa guerra mais inútil desde que o exército de D. Sebastião fora esmagado em Alcácer-Quibir.
RM

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