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segunda-feira, janeiro 26, 2004

"Tatabányán" 




Se soubesse que estava guardado para uma morte estúpida ou que acabaria os dias numa cama, inconsciente, incapaz de me mexer ou de compreender o mundo que me cercava, o meu fim mais apetecível serria morrer de alegria num estádio sob uma tremenda ovação, a culminar a maior defesa de toda a minha vida.

Michel Preud'Homme, in "Benfica: Biografias", Maio de 1995




sábado, janeiro 24, 2004

Um filme perturbador 

Sim, fui ver Choses Secrètes, de Jean-Claude Brisseau. Sem ser um grande filme, não o considero uma desilusão. Sem contar muito da história, a coisa é mais ou menos esta: duas belíssimas adolescentes desempregadas, Nathalie e Sandrine, desejam subir na escala social, não através do trabalho e do mérito, mas sim por embarcarem numa vida de ousadia e transgressão sexual em meios que não os seus. Uma espécie de putas da alta-roda, por outras palavras. A história acaba mal (muito mal mesmo) sem que ninguém saia ileso. Pelo meio, cenas de lésbicas a dar com um pau (nada de trocadilhos, please).
Pessoalmente, acho difícil de compreender como é que um filme destes pode ser considerado de "marxista", como algumas pessoas o têm rotulado. O modo como a personagem de Delacroix (o director da empresa) é retratado, a sua extremosa e recatada vida familiar e profissional, a sua sincera e tocante paixão por Sandrine, a sua queda infernal, fazem dele a única personagem em relação à qual se pode talvez sentir alguma empatia. Retratar assim um "patrão" não me parece muito "marxista". Depois, a forma como o escabroso plano de Nathalie e Sandrine termina, numa espiral mórbida de sexo, morte e destruição, com a desgraça de Delacroix, a morte de Christophe, a violação de Sandrine e a prisão de Nathalie; tudo isso me parece demasiado moralista para ser considerado "marxista". Sim, porque acho que este filme tem, se assim lhe quisermos chamar, uma "moral": a de que a ascensão social por outra via que não a do trabalho árduo e da virtude (como Delacroix a tinha conseguido) pode, regra geral, acabar mal. A Nathalie, o seu revanchismo social custa-lhe dez anos na prisão, após o desesperado assassinato de Christophe. Como escrevia Agustina n’Os Meninos de Ouro, a raiva das classes mais baixas em relação às mais altas é a garantia de sobrevivência destas últimas (não me recordo das palavras exactas, hélas). É certo que o realizador se tem definido como "marxista" e "cristão", mas com a devida vénia, Sr. Brisseau, a primeira palavra não assenta neste filme.
Tudo somado, até acabei por gostar. É certo que Brisseau não consegue evitar alguns déjà vus. A espaços ouve-se a Paixão de São João, de Bach, tal como em Dogville (embora a anos-luz do magistral uso que dela fez Lars von Trier) e a cena da orgia, no final, é pura e simplesmente decalcada de Eyes Wide Shut, de Kubrick. Mas a figura mitológica da Morte, cuja sombra feérica surge em momentos-chave da história, introduz um arrepiante elemento mitológico e de mistério no filme. "Cristão"? Nisso já acredito. JR

"Frustralívio" 

Na esteira da primeira remodelação governamental da era Lula da Silva, o ministro da Educação, Cristovam Buarque, é infamemente demitido por telefone, quando se encontrava em Lisboa no lançamento de um livro. O forrobodó Carnavalesco que é imagem de marca do governo de Lula, por isso nada de novo. Mas na rádio, esta noite, ouço o ex-ministro a cunhar um neologismo para definir o seu estado de espírito: "Frustralívio". Frustração e alívio. Já há muito que defendo isto: o Português falado no Brasil, na sua graça, frescura e plasticidade, está dezenas (talvez mesmo centenas) de anos à frente deste tosco linguajar de Manéis e Joaquins que por cá se fala. JR

As Terras da Lusitânia 

Agustina, sobre o seu encontro com Vieira da Silva e Arpad Szenes, corriam os anos cinquenta:

"E fomos todos, pelo Minho fora, a reconhecer as terras da Lusitânia."

Agustina Bessa-Luís, O Livro de Agustina Bessa-Luís, Três Sinais, 2002


"As terras da Lusitânia". Haverá algo mais belo que possa descrever as solidões célticas da Serra de Arga? JR

quarta-feira, janeiro 21, 2004

Da pertinência dos blogs 

Lembro-me de o João Pereira Coutinho ter escrito há poucos meses que uma das principais consequências do surgimento dos blogs era o da mudança da perspectiva que as pessoas comuns virão a ter em relação aos chamados "intelectuais". Por outras palavras, com os blogs, pessoas mais ou menos anónimas que, por falta de conhecimentos e/ou oportunidades nunca tinham tido a chance de expor as suas ideias na praça pública, podem agora fazê-lo de um modo livre e sistemático, graças aos blogs. A diversidade e a radical liberdade daí decorrentes fazem com que a figura do intelectual secular, criada no final do século XIX (através do affaire Dreyffus) seja posta em causa. É a dessacralização do intelectual como o conhecemos: venerando e intocável. Qualquer um pode ser um "intelectual", bastando apenas para isso que tenha ideias, talento e um PC ligado à net por perto. E isso é bom. Reduz cada livre-pensador à sua verdadeira condição: a de homem livre. Nada mais. A enorme interactividade, a crescente diversidade e infinitude tendencial da blogosfera são, acima de tudo, uma lição de humildade. E a humildade é saudável para refrear certos espíritos que julgam poder mudar à força o Mundo e a História, apenas pela força das suas ideias. Os horrores do século XX foram, em grande medida, causados por ideias e ideais sem oposição ideológica à época: o Nazismo e o Comunismo. Haja, por isso, humildade. E modéstia.

Vem isto a propósito de um excerto de uma famosa carta de Eça de Queiroz a Pinheiro Chagas, incluída nas Notas Contemporâneas (Edição "Livros do Brasil", Lisboa), excerto esse que resume brilhantemente, (e com 123 anos de antecedência!), a questão da pertinência dos blogs. O modo como Eça resume a questão é, em minha opinião, sublime. Começando por usar a ironia, compara Pinheiro Chagas à sábia deusa grega Minerva, para depois escrever:


"Somente, deixe-me lembrar-lhe que Minerva era modesta. Em geral, os deuses eram modestos: misturando-se tanto à vida dos homens, temiam-lhes muito o sarcasmo. E os homens mesmo, presentemente, quando têm algum valor são sempre modestos. Os grandes ares de sabichão, como os ares de ricaço, como os ares de valentão, passaram totalmente de moda.
Há hoje nas sociedades cultas um tom geral de bom-gosto, de ironia, de fino senso, que põem bem depressa no seu lugar os fanfarrões da sabedoria, do milhão ou do músculo.
Ao nababo que nos agita diante da face uma bolsa cheia de ouro, dizendo: - Pobretões! Eu cá sou rico! – reponde-se tranquilamente – Talvez, mas és grosseiro!
Ao mata-sete que nos mostre os seus pulsos de Sansão, e nos grite: - Fracalhões! Eu cá sou forte! – replica-se friamente: - Talvez, mas és brutal!
E ao sabichão que, com quatro volumes debaixo de cada braço, nos venha dizer, de alto: - Ignorantes, eu cá sou sábio! – responde-se serenamente: - Talvez, mas és pedante! E este tom, meu caro Chagas, é indispensável. Senão, os ricaços, os valentes e os sabichões, coligados entre si, tornariam bem cedo a sociedade inabitável."

Actual, não acham? JR

segunda-feira, janeiro 19, 2004

E a conta do vidraceiro, Sr. Embaixador? 

E prontos, lá vou eu emoldurar mais uma crónica do Embaixador José Cutileiro. Que Diabo, custa assim tanto escrever isto? JR

domingo, janeiro 18, 2004

Choses secrètes 



O filme é o mais recente de Jean-Claude Brisseau. O trailer deixou-me electrizado. Erotismo? Luta de classes? Guerra dos sexos? Paris? Cinemas King, aqui vou eu! JR

sexta-feira, janeiro 16, 2004

Il Canzoniere 

Ao dizer a um amigo que uma das minhas prendas de Natal foi (a meu pedido) o livro "As rimas de Petrarca", traduzido pelo poeta Vasco Graça Moura, ele respondeu-me que "tais livros, mesmo que fossem gratuitos, apenas estão ao alcance de uma minoria cultural". Não concordei. Os poemas de Amor foram escritos para todos e não é necessário ser um génio da literatura para os compreender e apreciar.
Foi assim com bastante agrado que assisti ao programa cultural Livro Aberto, no canal NTV, onde o Pedro Mexia declarou que a tradução desta obra-prima da Literatura mundial é um dos melhores livros do ano 2003. De facto, há muitos portugueses que apreciam a qualidade, sobretudo a qualidade dos clássicos da Literatura. Só falta é divulgá-los ao grande público. Foi assim dado um passo importante para que em 2004 mais pessoas acedam a este magnífico livro. Assim o espero. RM

terça-feira, janeiro 13, 2004

"Estado Crítico" 

João Pereira Coutinho estreou-se em grande no Expresso, com esta magnífica crónica. Gostei sobretudo da crítica do filme "O Senhor dos Anéis"; no mundo conturbado em que vivemos, cada vez mais pessoas esclarecidas procuram uma distinção nítida entre Bem e Mal, para que todas as nossas energias e vontades sejam aplicadas na direcção certa, e para que cada um possa ser responsabilizado sobre as escolhas que faz na sua vida.
Faço votos para que João Pereira Coutinho continue o seu excelente trabalho! RM

domingo, janeiro 11, 2004

Madrid, AZ 



O que torna uma editora do país vizinho tão apelativa para os portugueses? Talvez os discos belamente melancólicos que edita. A Acuarela é um arquivo inesgotável de melopeias tristes e frágeis pronto a ser descoberto.

A Acuarela nasceu pelas mãos de Jesus e Victor Lenore, dois velhos conhecidos de andanças musicais. Primeiro foram parceiros num fanzine de nome Malsonando e depois numa aventura mais séria, a Spiral. A Spiral era uma publicação em formato parecido com o dos tablóides, essencialmente virada para o universo independente. Findo o sonho Spiral, que deixou raizes na imprensa espanhola, veja-se o caso do Mondo Sonoro (ideia semelhante mas revista à luz da actual situação e que faz a ponte entre o alternativo e algum mainstream), o par mergulhou numa nova criação. E a novel experiência, a Acuarela, seguiu as pisadas da Spiral mas optou por cingir-se a um universo ainda mais circunscrito e muito especial.

Assim, desde 1993 que a editora sediada em Madrid tráz à luz do dia uma panóplia de bandas e compilações onde imperam as sonoridades introspectivas e as toadas compassadas e melancólicas. A filosofia da Acuarela é a de que a música dita indie não acenta forçosamente na fúria das guitarras mas sim na máxima punk: DIY (Do It Yourself). De par com canções como as de Nacho Vegas, que bebem no caudal Serge Gainsbourg existe a electrónica dos Vitesse e a frágil folk/”americana” dos Aroah. E claro, as mil camadas de tristeza dos Sr. Chinarro e a visão do deserto cruzado com a saudade dos Migala. Visão essa que atraiu as atenções da lendária SubPop acabando o grupo por ver “Arde” editado, o ano passado, nos EUA.

E nem a saida de Victor Lenore abalou a determinação de Jesus. Tudo na Acuarela permanece rigoroso e, ao mesmo tempo contra a maré. Quem diabo, senão alguém de uma teimosia a toda a prova, escolheria editar EP’s em tempos de tão grande volupia económica onde a vontade de fazer crescer os dividendos se sobrepõe tantas vezes aos ideais e à beleza da criação? Pois para que não restem dúvidas sobre os propósitos estabelecidos pelos seus fundadores, a Acuarela acaba de editar uma mão cheia de EP’s magnificamente “encapados”.

(...)

A cereja no cimo do bolo deste lote de edições da Acuarela é a compilação dupla “Acuarela Songs”, embrulhada num luxuoso digipack, cujo título bem podia ser “Madrid, Arizona”, ou “Alternative Nashville, Madrid” tal é a profusão de nomes ligados ao “alternative country” e à “americana” presentes. De Howe Gelb aos Willard Grant Conspiracy, passando por Amor Belhom Duo, Dakota Suite, Mark Eitzel, Knife in the Water ou Mojave 3, “Acuarela Songs” é uma das melhores compilações representativas de um género que é afinal, tão diversificado como qualquer outro. Mas seria injusto não nomear também Doug Hoekstra, Magic 12 e Tracker, que surgem como autores de um belo trio de canções.

A par da edição de discos a Acuarela vem, desde há um par de anos, também publicando livros de qualidade tanto literária como estética E a lista de escritores é tão, ou mais impressionante do que a de músicos. A colecção da Acuarela Libros abre com “Panegírico” de Guy Debord e segue com “La Aventura Africana” de Fernando Savater, “El Barco del Norte” de Philip Larkin ou “La Exigencia Revolucionaria” de Cornelius Castoriadis. As edições mais recentes são as de “Dream Police” de Denis Cooper e “Renacimiento” de Michel Houellebecq.

As edições da Acuarela são distribuidas em Portugal pela Sabotage.

Raquel Pinheiro
(Mondo Bizarre # 10)


Muito para além do anti-espanholismo xenófobo que o Expresso destila nos seus editoriais, criando preconceitos e tiques lamentáveis nas nossas élites e classe média, há que reconhecer isto: a vibrante cultura urbana espanhola é (ainda) lamentávelmente ignorada pela maior parte dos portugueses. O seu pujante cinema moderno, exportador de actores e cineastas de talento (El Dia de la Bestia, de Alex de la Iglésia, é um filme de culto destes Meninos) é uma lição para o conformista cinema português, que à parte de algumas honrosas excepções, é pouco mais que uma tropa fandanga de chupistas de subsídios. Na música, e para além dos fantásticos Dover, é da maior justiça mencionar a editora madrilena Acuarela que, desde há dez anos para cá, tem vindo a divulgar o que de melhor se faz na música indie e country alternativa dos dois lados do Atlântico, com especial atenção a artistas espanhois (Aroah, Migala, Viva Las Vegas, Emak Bakia et al.). É por isso obrigatório referir a monumental e enciclopédica compilação Acuarela Songs (à venda na Fnac), simplesmente, e sem exageros, um dos melhores albuns que já comprei, de um bom-gosto e qualidade inigualáveis. A prata da casa. Pop de luxo, simples e intemporal. A banda sonora de todas as estações, de cidades e viagens, reais ou imaginadas. Ou simplesmente, daquela manhã de Agosto de 2002, mergulhada em nevoeiro, em que com o Ricardo a meu lado, atravessei a Escócia de combóio, ao som dos Sodastream, Paula Frazer ou dos Willard Grant Conspiracy. Abençoados madrilenos. O José António Lima bem pode ladrar, mas há dias em que me apetece ser espanhol. JR

quinta-feira, janeiro 08, 2004

A nova Dois 

Ainda não vi muito da nova RTP 2, mas gosto do que tenho visto. A mudança, segundo me parece, foi no sentido certo: mudar o que está errado, conservar o que de bom existe, firmando também interessantes parcerias com as mais variadas instituições da sociedade civil. Gosto especialmente do novo grafismo e registo do canal: sóbrio, agradável e exigente. O Jornal 2 recupera uma característica que a nossa informação televisiva perdeu nos últimos anos: a pontualidade e a brevidade. Um noticiário a horas decentes e de apenas trinta minutos. Informação sucinta, ponderada e confiável, com a análise e o comentário na medida certa. Bons hábitos que os noticiários soviéticos de hora e um quarto do primeiro canal nunca cultivaram entre nós, na sua boçalidade tablóide e governamentalizada. Algumas boas séries foram conservadas: Six Feet Under, Sabrina, as séries da Britcom, por exemplo. Os bons magazines também: 2010, Iniciativa, Parlamento, Artes de Palco, A Alma e a Gente, Bombordo, Onda Curta, Por Outro Lado. Os novos talk-shows parecem-me igualmente interessantes, especialmente no contexto do público a quem se destinam: o Tudo em Família , Entre Nós ou o Causas Comuns, apenas para citar alguns. E claro, estou bastante curioso em relação ao Pop Up, o novo magazine de cultura urbana, apresentado por Raquel Dias. Falta também falar do Magazine, o programa que vem na sequência do polémico fim do Acontece. Do pouco que tenho visto, e sob a presença serena e agradável de Anabela Mota Ribeiro, parece-me um programa mais fluído e exigente, em claro contraste com o estilo de tertúlia caturra e indulgente no qual o Acontece há muito tinha resvalado. E é também da maior justiça referir a programação infantil, que continua feita com critério e qualidade, e a deixar-me cheio de pena de não ser puto outra vez para seguir as novas e giríssimas aventuras do Noddy. É claro, nem todas as mudanças foram positivas. Como muito bem notou o Filipe Alves, o Lugar da História foi retirado, ficando uma lacuna importante por preencher. Globalmente, no entanto, o saldo parece-me muito positivo. A ver vamos. JR

quarta-feira, janeiro 07, 2004

Para que não digam que não avisei... 



David Lynch, durante as filmagens do mítico genérico da série. North Bend, WA. (c. 1990)

A SIC Radical está a re-transmitir Twin Peaks, talvez a mais marcante série de culto da história da televisão. E dos anos 90, pois então. Sim, amiguinhos, não me esqueço de X-Files, série com a qual cresci e da qual fui (e continuo a ser, de certa maneira) devoto. Mas estes nunca teriam sido "abertos" sem a visionária série de David Lynch. Mais tarde voltarei a discorrer sobre o assunto. JR



Links 

E é claro, voltamos com mais links: o Tempore, um interessantíssimo blog sobre História e o indispensável Os Filmes da Minha Vida, um blog no qual são compiladas as crónicas luminosas de João Benard da Costa, publicadas no Público. E há quanto tempo ele não escreve para o Independente... JR

terça-feira, janeiro 06, 2004

De volta 

E eis-nos enfim regressados à Capital do Império, em todo o nosso esplendor. Com mais uns quilinhos, mais uma caixas de chocolates e pares de meias para a colecção e, sobretudo, com a alma aconchegadinha pelo calor humano das festividades. Fez-nos bem a pausa; estamos cheiinhos de vontade de recomeçar as nossas viagens pela blogosfera. De cara lavada e com o mesmo espírito de sempre. Obrigado pela paciência. JR

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